Sunday

Condições Ideais.

Não que ela não gostasse. Mas haviam indícios físicos de que algo estava errado. Não se sentia a vontade quando ouvia ´te adoro,te adoro e te adoro mais ainda!´ nas manhãs de sábado. Não se sentia sincera quando dizia que tudo estava nas condições ideais de temperatura e pressão.
Porque, de fato, não estava.

Existia muito sobre ambos ali. Todas as coincidências, o amor pelas mesmas cidades, a vontade de [voltar a] morar fora do país. As músicas, as artes e as lojas. Mas não os valores.
Parecia que ambos tentavam remontar uma história que já não havia dado certo com outras pessoas. Parecia a situação ideal somente para darem o troco ao passado, esfregando na cara de quem se foi que, sim, ´nós iríamos´!

Optaram por uma determinada estrada, com terras distantes e promissoras.
Mas algo a dizia que não gostaria tanto assim da viagem. E o que estava errado era claro: não existia capacidade suficiente no pequenino carro que também escolheram juntos.

A vontade aparente de ambos, em percorrer no mínimo mais uns 5000km juntos, fez com que colocassem gasolina demais no tão virgem e frágil tanque.

E por isso explodiram, rasgando o céu estrelado daquela noite.

Enquanto ela explodia e subia aos céus, tamanha a força de seu impacto, ele logo queimou-se em seu próprio fogo. Não saiu do chão. Feito papel, e frágil como tal, atrofiou- se em sí mesmo, tornou-se negro, carbonizou. Súbito e rápido.

Somente depois de dois dias ela caiu por terra novamente, e foi quando encontrou suas cinzas. Aliviada de vê-las, permitiu-se derramar uma lágrima.
Havia acabado, e ela estava salva.

Há quem diga que junto às cinzas dele, uma frase desestruturada também sujava o chão: ´tenho Eu não mais pedir nada se a te desculpas pedir além.'
Há quem diga que a frase estava lá pois foi seu único escudo, a única coisa em que ele pode segurar para se defender do fogo feminino que viria. E, ao perceber a força daquela iminente explosão, apavorou-se e espremeu sua única proteção até deixá-la embaralhada, igualzinho um espelho de suas emoções.

Ninguém nunca mais pisou naquele terreno queimado.
A atrocidade da explosão fora tamanha que hoje a infertilidade é a única que suporta residir ali.

E ela?
Ela, que sabia existir algo de errado naquela relação, denunciado pela falta de seu fogo de amor em relação à ele, quando passa por aquele deserto com seu carro novo, faz questão de parar por alguns instantes e admirar o que restou da noite da destruição.

E, como um espelho da alma, seus olhos se enchem novamente de lágrimas de alívio.
É assim, instintivamente, que ela agradece por hoje ser incapaz de gestar uma nova vida a dois nos mesmos moldes que tinha este terreno. Por mais verdes, atrativos e promissores que os futuros pareçam.

Porque hoje ela sabe quais são suas condições ideais.


pictured by myself.

1 comment:

  1. Lindo.

    Lembrei de um trecho de um livro:

    " Dei um ultimato de dez segundos ao sonho,
    mas como ele não desse sinais de ter intenção de me libertar, dei um chute no que me pareciam ser seus órgãos vitais.
    - Ai,ai ai - o sonho gemeu - Cara, como você pode praticar um ato tão desumano. "

    Waiting for you and
    Heineken*

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