Tuesday

Divisor de águas.

então disse.

a sensação foi libertadora.

veio como uma dor que precisava ser curada há tempos, muito mais do que o tempo da relação deles.
assumiu, e assumiu com vontade.

quando a frase estava subindo, mais ou menos na altura da garganta, sentiu um frio na barriga. vertigem, medo. e um frio geral, daqueles sentidos quando se está quase caindo no sono.
talvez porque quisesse que aquilo fosse um sonho, pra não ter que se responsabilizar por suas atitudes.
o corpo a protegia. o corpo sempre a protegia.
parecia que ele inventava tremedeira, medo e ansiedade nas horas certas só para ela não ter de soltar seu freio de mão.

mas soltou.
a frase veio e veio com vontade. elaborada, sentida, acompanhada de gestos de mãos e coragem de olhar para ele. dessa vez, ela teve. olhou-o nos olhos e despiu-se.
sentiu-se nua não pela revelação do dizer, mas pela leveza. como se tirasse casacos e casacos, proteções e proteções, revelou a possibilidade do Amor em sí, aquilo que já estava engasgado e amedrontado e em seu escuro a tanto tempo.

ele olhou-a, como quem pede mais.
e então ela disse mais.
trouxe detalhes e até as semanas passadas.
contou dos sinais físicos, contou dos textos mentais, contou do medo de ficar mais cinco minutos.
e nesse momento, embalou lindamente: 'no sexto minuto saí porque você me dá vontade de querer escrever. de pintar. de me expressar. de colocar pra fora esse sentimento tão lindo que tenho aqui dentro, e toda vez que te vejo, é tão bonito o que sinto que não é justo com o mundo eu guardar só para mim...
todo mundo devia ter acesso a isso, porque é nobre demais pra ser escondido...
e quando eu sinto, quer dizer que estou viva... e naquele sexto minuto me dei conta do quanto ainda gostava de você: quis sair e escrever a noite inteira.
e isso, isso é vida pra mim...
você me dá vontade de querer viver.
e há tanto tempo."

ele emudeceu. ela aliviou. e disse que precisava ir.
os dois pararam.
não sei para onde foram.
não sei para onde iriam.
não sei onde guardarão um ao outro. não sei nem como hoje guardarão pessoas ao invés de fantasmas com metros de altura.

mas aceitaram que estão no mesmo nível.
aceitaram que são medrosos.
aceitaram o susto.
aceitaram o gosto doce.
aceitaram o gosto amargo.

a condição de humano.


humildes, prometeram dizer a verdade.


e naquela noite, chorariam diamantes como um rito de passagem.

No comments:

Post a Comment